Uma confusão por conta do fornecimento de energia elétrica na Aldeia Tico Lipú em Aquidauana na tarde deste sábado (14) levantou uma problemática envolvendo a comunidade indígena, sobre a regularização da área e do fornecimento de água e luz no local.

A confusão começou, pois a Polícia Militar recebeu uma denúncia via 190 de que no local estava havendo furto de energia. A Energisa foi acionada e uma equipe da Rotai se deslocou até a Aldeia para verificar a situação, o que gerou um desconforto por parte da comunidade, já que por ser uma tropa diferenciada, trabalha com armamento mais pesado que as outras equipes do 7º BPM.

A Tico Lipú conta com apenas um relógio para atender 68 famílias. Em sua rede social o cacique mencionou que esse relógio não está conseguindo sustentar a energia dos moradores e que por várias vezes foi solicitado atendimento por parte da Energisa, porém sem sucesso. Em outra publicação, ele disse que, sobre a possível denúncia de furto de energia, membros da comunidade estavam arrumando a fiação de energia que atende o local.

Em um vídeo gravado por um dos policiais militares, é possível ver que, apesar dos ânimos aflorados, não houve qualquer agressão física de ambas as partes, mas os militares foram questionados sobre o porte de armas no local, o que foi explicado que em qualquer situação, independe de ser comunidade indígena, é o procedimento adotado.

Em outro vídeo, uma moradora questiona sobre um dos policiais portar bomba de gás de lacrimogêneo e foi explicado que em situações envolvendo aglomerações de pessoas de qualquer natureza, é outro procedimento para resguardar a guarnição de qualquer ataque.

Outro detalhe em um dos vídeos que chama a atenção é o cacique Francisco Gomes Lipu, conhecido como Tico, ao telefone, dizendo que a presença da polícia fez idosos passarem mal, mas é possível ver em uma imagem panorâmica que nenhum dos presentes apresentava mal estar e nenhum atendimento médico foi solicitado. Os vídeos são finalizados com a saída da PM do local.

O cacique disse que foi ameaçado de morte pelos policiais e que idosos passaram mal por conta do uso de granadas no local, informação negada pelo comandante do 7º Batalhão de Polícia Militar, tenente-coronel Airton Praeiro. Segundo o comandante, o material portado pela guarnição está intacto, já que é feito um controle minucioso do que é utilizado nas ruas.

“Vocês podem observar nos vídeos, que foram gravados desde a chegada até o fim do  atendimento que houve apenas discussão verbal de ambas as partes. Em nenhum momento a polícia militar usou de força no local”, disse.

O comandante também informou que foi registrado um boletim de ocorrência contra o cacique Tico Lipú por calúnia e difamação, por conta das acusações. “Não houve ameaça, nem excesso da nossa parte e nenhum policial deu voz de prisão no local, se o cacique se sentiu ameaçado, o comando está à disposição para registrar a reclamação e apurar os fatos”, reforçou.

No registro policial é relatado que Tico ofendeu a equipe, dizendo que ninguém da Aldeia chamou os militares. Em outro trecho é citado que o líder indígena disse que não adiantava a equipe estar armada, pois junto com os presentes poderia tomar as armas dos policiais.

Ainda segundo o registro, a guarnição aguardou por um tempo a chegada de uma equipe da Energisa, mas informado via Copom que não houve êxito no contato, os policiais se retiraram do local para evitar um possível confronto, já que Tico estaria incitando a comunidade contra a equipe e no local encontravam-se crianças e idosos.

O JNE entrou em contato com Tico, questionando o ocorrido no local. Ele disse que não gostou que os policiais foram armados no local e ameaçando a comunidade. Quando orientado que em qualquer situação a polícia militar estará armada, ele disse que os militares deveriam primeiramente procurar o cacique, no caso ele. Mais uma vez questionado sobre as supostas ameaças por parte da equipe policial, Tico se limitou a dizer que os órgãos competentes irão analisar os fatos.

Situação irregular da Aldeia

O que aconteceu no sábado levanta o problema de descaso com a Aldeia Tico Lipú. Em 2015 o então prefeito José Henrique Trindade, assinou decreto de desapropriação de utilidade pública para que fosse feita a regularização fundiária do local, como aldeia urbana. Na época foi feita uma reunião com os responsáveis pelas empresas de fornecimento de água e luz, solicitando uma atenção especial para regularizar a situação das famílias.

A reportagem também conversou com o mestre em Antropologia Messias Basques, que fez um estudo junto a Aldeia Urbana em Aquidauana. Ele explicou que a desapropriação requer que seja dado uma continuidade para a titulação da área e que a situação depende da boa vontade do poder público, pois existe um decreto e um reconhecimento oficial por parte da Funai, porém a área ainda não foi regularizada como Aldeia Indígena, pois a Prefeitura de Aquidauana não fez a titulação da área.

“O poder público através da Funai, já está emitindo documentação para a comunidade indígena Tico Lipú a partir do seu pertencimento aquela comunidade, então todos os registros de nascimento, documentos de aposentadoria já estão sendo feitos pelo Estado através da Funai. As pessoas que vivem ali tem documentação expedida pela Funai, que já reconhece o local como ocupação indígena, mas falta a regularização da área”, explicou.

Messias informou que também já entrou em contato com a Energisa em Aquidauana, com a responsável pelos projetos de regularização de energia elétrica em comunidades indígenas, Denise Simões, e foi informado que a empresa não tem nenhum impedimento de ordem logística e burocrática para atender a comunidade, mas pelo fato da prefeitura não ter dado andamento de desapropriação do território em favor da comunidade indígena, a Energisa não pode regularizar o fornecimento enquanto não houver a regularização fundiária da área que é ocupada pela Aldeia.

O antropólogo reforça que o prefeito já foi comunicado várias vezes sobre a necessidade da comunidade e não tomou nenhuma providência de ordem prática.

Há procedimento (inquérito civil) instaurado no 5º Ofício da Procuradoria da República em MS sobre a questão da Aldeia Urbana Tico Lipu e a sua regularização sob a ótica “fundiária”. O Ministério Público Federal, através do procurador Emerson Kalif questionou o prefeito sobre a questão fundiária e a questão do fornecimento de energia elétrica e em resposta ao MPF alegou que desconhecia a problemática envolvendo o fornecimento de energia e que providências seriam tomadas. Sobre o processo de desapropriação, a prefeitura alega que não foi concluído em definitivo por questões financeiras e que a situação estaria sendo avaliada a possibilidade de dar continuidade do procedimento da regularização da área em questão. O documento foi emitido no dia 18 de abril de 2017.

O jornal aguarda um posicionamento da prefeitura em relação a situação da Aldeia.

Posição da Energisa

O JNE entrou em contato com a empresa de energia elétrica e através de nota, a Energisa esclarece que as distribuidoras só podem regularizar o fornecimento de energia em áreas ocupadas com a permissão do poder concedente: Governo, Prefeitura Municipal ou Ministério Público, em conformidade com a Resolução 414 da Aneel.

Nas aldeias da região de Aquidauana que possuem a rede de energia elétrica (Limão Verde, Aldeinha, Córrego Seco e Buritizinho), a Energisa realizou no final do mês de setembro, ações de negociação de débitos, levando orientação para as famílias sobre as formas de parcelamento, cadastro na tarifa social, além dos riscos de choques elétricos, curtos circuitos e incêndios que as ligações clandestinas podem ocasionar.

Cacique em conversa com o responsável pela Energisa em Aquidauana

Fotos: Facebook/Tico Lipú