Lucas diz que não teme desafios. Por isso, largou uma faculdade no terceiro ano e emprego garantido para mudar a vida das pessoas através da Medicina. Mudança nada fácil para que é deficiente físico. Aos 25 anos, ele fala sobre os desafios diários na faculdade, que incluem dúvida coletiva sobre a sua capacidade e questionamentos sobre como alguém de cadeira de rodas pode se tornar médico.

Lucas Guilherme Vieira Pacini é interno do 5º ano de Medicina. Isso significa que muitos desafios em sala foram vencidos até o momento. Atualmente, sua rotina é de plantões e ambulatórios diários, pouquíssimo tempo em casa e quase nada na faculdade. É em hospitais e postos de saúde que ele tem aprendido a profissão na prática.

Durante a atuação como interno não faltam olhares. “Primeiro porque todo mundo dúvida da capacidade de um deficiente”, explica. Depois, a principal dúvida é sobre como ele vai atender sentado numa cadeira de rodas. “Examinar um paciente acamado, por exemplo, é mais difícil, porque na maioria das vezes a maca é alta. Conto muito com a colaboração do paciente que conquisto aos poucos na nossa conversa”.

Lucas é interno do 5º ano de Medicina (Foto: Arquivo Pessoal)Lucas é interno do 5º ano de Medicina (Foto: Arquivo Pessoal)

Na prática, embora a vontade de aprender seja gigantesca, Lucas precisou abrir mão de alguns procedimentos para não expor os pacientes, uma vez que não há estrutura 100% para receber médicos deficientes dentro de hospitais e unidades de saúde.

“Centro cirúrgico, por exemplo, eu optei por não entrar em campo por conta do risco de contaminação. Eu não tenho uma cadeira adequada, estéril. Também não possuo uma cadeira igual de um cirurgião no Rio de Janeiro em que ele fica em pé, amarrado, e consegue fazer a cirurgia. Como eu não tenho um equipamento adequado e não é minha área de interesse, resolvi aprender o que me cabe, para não expor o paciente”.

Apesar das limitações, nada impede o acadêmico que já sonha em fazer residência em Psiquiatria. Especialização escolhida pelo desejo de entender o comportamento humano e o mundo do irmão mais velho que é deficiente intelectual. “Inclusive, foi o meu irmão que me inspirou a fazer Medicina. Eu desejo entender o mundo dele e cuidar mais dele”.

Lucas cursava o terceiro ano de Engenharia de Produção na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul quando decidiu largar o curso para prestar vestibular de Medicina. Antes do primeiro passo, ele admite que muitas dúvidas surgiram sobre a relação da profissão com a deficiência, mas a força dos pais falou mais alto. “Sempre fui muito bem resolvido em casa. Meus pais sempre me trataram como qualquer um dos outros filhos. Com deficiência ou não, nunca houve vitimismo, a pergunta que eles sempre faziam era: ‘você já tentou?’ ou ‘Qual meio você usou para se adaptar?’. Por isso, sempre tive facilidade de pensar alternativas para fazer tudo o que eu queria. Então larguei uma faculdade para correr atrás de um sonho”.

Natural de Peixoto de Azevedo (MT), Lucas nasceu com má formação congênita e “prazo de validade”, explica. “E cada vez que eu passava da idade estipulada, os médicos diziam que era lucro, mas que meus pais não podiam esperar muita coisa. No entanto, eles nunca desistiram, resolveram investir em mim”.

Um dos sonhos de Lucas é também investir no atendimento a pessoas com deficiência. “O deficiente se sente incapaz, muitas vezes, porque a família não dá estrutura ou não tem estrutura para lidar com a situação, então o deficiente acaba não conhecendo os seus potenciais. Ele se deixa levar pelo estereótipo que a sociedade coloca nela. Por isso, precisamos lutar para dar condições a essas pessoas”.

Lucas desmontando cadeira para colocá-la dentro do veículo. (Foto: Thailla Torres)Lucas desmontando cadeira para colocá-la dentro do veículo. (Foto: Thailla Torres)

Campanha – Lucas hoje é independente. Já andou muito de ônibus, mas agora tem carro próprio adaptado. Monta e desmonta a própria cadeira de rodas de 6 a 8 vezes por dia. O peso do objeto já lhe causou problemas nos ombros, mas ele não abre mão da liberdade de poder ir para onde quiser com a própria cadeira. “Até tive uma cadeira motorizada, mas eu prefiro minha liberdade de desmontar e montar minha própria cadeira”, explica Lucas.

Hoje, ele precisa de uma cadeira melhor e lançou uma “Ação entre amigos” na internet para arrecadar dinheiro e comprar um modelo mais leve. “Para diminuir as dores e garantir melhor locomoção durante os atendimentos. Essa minha cadeira está há algum tempoquebrada, já levei altos tombos”.

Uma cadeira de rodas monobloco, simples, mas de material mais leve e produção nacional, custa em média R$ 8 mil. Mas Lucas diz que qualquer colaboração é bem-vinda. “Não é supérfluo, não é item de luxo, é uma necessidade”, explica.

Quem quiser contribuir com Lucas, todas as informações para doação podem ser conferidas no site (clique aqui).

(Lado B)