Nos vídeos publicados, crianças e adultos enfrentam-se em lutas nas ruas (Reprodução, Instagram)

Crianças e adolescentes estariam sendo recrutados em Campo Grande para lutas de rua que alimentam perfis nas redes sociais em busca da viralização dos vídeos com espetáculos de violência em locais públicos.

Os eventos clandestinos de ‘MMA de rua’ reúnem amadores em combates sem regras que oferecem vários riscos à integridade dos participantes. Entre eles, muitos ‘lutadores’ aparentam ser crianças ou adolescentes com menos de 18 anos de idade.

Em uma das páginas que reúnem os vídeos de lutas clandestinas na plataforma Instagram e tenta se vincular com o UFC no título, um jovem se apresenta como o organizador dos ‘eventos’ de rua. Nela, adolescentes se enfrentam sem troféus ou cinturões em jogo, mas em busca da viralização.

O perfil na rede social conta com pouco mais de dez vídeos. As lutas são todas gravadas em locais públicos de Campo Grande, como praças, avenidas, e até mesmo no centro da cidade. Além disso, algumas envolvem pessoas em situação de rua.

Entre as regras apresentadas aos participantes estão avisados da proibição apenas para mordidas e chutes nas genitálias.

Assim, com luvas de boxe, os jovens embatem ao som dos espectadores, que incentivam: “dá na cara dele”, ouve-se ao fundo. Enquanto isso, uma criança acerta um soco na nuca da outra.

A reportagem do Midiamax tentou contato com proprietário da página, para saber se existe algum tipo de controle sobre os eventos, e porque menores estão participando. No entanto, não houve retorno até a publicação deste texto e o espaço segue aberto.

‘Brigas são descontroladas e podem causar ferimentos graves’

A reportagem do Jornal Midiamax entrou em contato com o profissional de educação física e professor de karatê, Fabrício Ravagnani, para que ele explicasse sobre os perigos da prática, ainda mais quando esta envolve crianças e adolescentes.

“O que se observa nestes vídeos são situações perigosas, locais não adequados, como sarjetas ou obstáculos, que podem ferir os envolvidos”, observou o professor.

“É importante que se separe as ‘brigas’ de ‘lutas’, pois brigas são confrontos descontrolados, muitas vezes violentos e não têm propósito algum construtivo, além de poder causar ferimentos, levam a cortes, contusões, fraturas e concussões, prejudicando a saúde, principalmente no caso de crianças e adolescentes”, explica.

Ele explica que as artes marciais, diferentemente das brigas observadas na página, são estruturadas e contam com procedimentos pedagógicos, promovem o desenvolvimento pessoal do ser humano, além de possuir elementos de defesa pessoal.

O professor orienta que toda prática de lutas e artes marciais deve ser conduzida em locais apropriados e supervisionada por profissionais habilitados e com experiência. “Desta forma, elas podem oferecer muitos benefícios, físicos e mentais, ajuda no desenvolvimento de autoconfiança, ajuda na autoestima, no controle emocional, de forma geral, no bem-estar do ser humano”, disse.

‘UFC Cachaça’: espetáculo conta com ridicularização dos participantes nos vídeos

Todos estes fatores não são observados nos cerca de 15 vídeos publicados pela conta, que no momento da visita feita pela reportagem, tinha pouco mais de 3.300 seguidores.

Entre os jovens que aceitaram o desafio das lutas sem regras, estão crianças que têm, aparentemente, entre 10 e 14 anos. Outras lutas aparentam envolver adultos. Uma delas chega a ser nomeada “UFC Cachaça”, pois confronta duas pessoas alcoolizadas.

Para o professor de muay thai, Nathan Sosa, de 28 anos, a prática não é correta, apesar de estar se tornando cada dia mais comum em todo o mundo, com a popularidade das transmissões pelas redes sociais.

“Os eventos de artes marciais têm supervisão médica e profissionais como juízes e árbitros, que fazem cursos de primeiro socorros para auxiliar os atletas caso algo aconteça”, explica o treinador.

“Uma prática dessas na rua causa um perigo de uma criança bater a cabeça no chão ou sofrer alguma fratura, contusão e o tempo de socorro, que deve ser até 5 minutos, não seria possível de ser feito, havendo riscos de danos permanentes e até mortes dependendo da gravidade”, explicou.

Entretanto, o professor também ressalta os aspectos positivos da prática esportiva de lutas para crianças e adolescentes. “As artes marciais com a devida supervisão têm um impacto muito positivo nas crianças e adolescentes, como aumento de confiança, desenvolvimento do corpo, controle emocional e afastar eles de más companhias, drogas e bebidas”, destacou o professor.

Mas, afinal, e o vale-tudo?

Mas afinal, não existe um tipo de luta chamada “vale-tudo”? Sim, porém até mesmo essa possui regras.

O que antes era denominado “vale-tudo” atualmente é conhecido como MMA, ou Artes Marciais Mistas. A principal competição de MMA no mundo é o UFC (Ultimate Fighting Championship).

No MMA, os atletas se confrontam utilizando golpes de mais de uma arte marcial, se considerando que há poucas restrições. Por exemplo, não são permitidos mordidas, puxões de cabelo, golpes baixos e, em alguns casos, nem cotoveladas e joelhadas.

Em um ambiente controlado, os atletas podem desenvolver práticas de mais de uma especialidade de luta, em embates que podem ocorrer em pé ou no solo, utilizando técnicas específicas de artes marciais como judô, caratê, jiu-jitsu, muay thai, boxe, kickboxing e wrestling.

As lutas possuem duração dos rounds definidos, arbitragem profissional, assistência médica, atletas separados em categorias de peso e outras formas de controle que conduzem à prática segura do esporte.

Lutas envolvendo menores devem ser denunciadas:

Caso você presencie qualquer situação que envolva riscos à saúde e proteção de crianças e adolescentes, você deve denunciar. Os canais de denúncia para casos que envolvem menores de idade são:

  • Disque 100 – Disque Direitos Humanos. O número da Secretaria de Direitos Humanos recebe denúncias de forma rápida e anônima e encaminha o assunto aos órgãos competentes no município de origem da criança ou do adolescente. Disque 100 de qualquer parte do Brasil.
  • Chamar o Conselho Tutelar para casos de violência física ou sexual, inclusive por familiares, casos de ameaça ou humilhação por agentes públicos, casos de atendimento médico negado.
  • Contatar a Polícia Militar (190) ou o Samu (192) para pedidos de socorro urgentes.
  • Procurar delegacias especializadas no atendimento de crianças ou de mulheres, ou qualquer delegacia de polícia.

Regra do Instagram é clara: proibido incitar violência

Ao usar plataforma como o Instagram, o usuário deve aceitar os termos e condições de diretrizes da comunidade para postar conteúdo. Caso o material publicado não esteja de acordo, a rede social afirma que poderá excluir os vídeos denunciados e, em último caso, até banir o usuário responsável.

Veja abaixo o que diz a diretriz de comunidade sobre postagem de conteúdo contendo violência explícita:

Sabemos que muitas pessoas usam o Instagram para compartilhar eventos importantes e interessantes. Alguns desses problemas podem envolver imagens explícitas. Como muitas pessoas diferentes e de várias idades usam o Instagram, podemos remover vídeos de violência explícita e intensa para garantir que a plataforma seja apropriada para todos.

Compreendemos que as pessoas compartilham frequentemente esse tipo de conteúdo para condenar, gerar conscientização ou educar. Se quer compartilhar um conteúdo por esses motivos, incentivamos você a escrever uma legenda avisando sobre a violência explícita. Nunca é permitido compartilhar imagens explícitas por prazer sádico ou para exaltar a violência“.

Fonte: Midiamax