O Brasil, devido ao seu passado colonial, escravagista e com diferentes ondas migratórias, ganhou uma rica diversidade cultural e criações próprias. É o caso das chamadas religiões de matriz africana, na qual muitas semelhanças com o cristianismo costumam ser apontadas. Mas o que poucos sabem é que estas também receberam influências do islamismo.
Qual a semelhança do islã com a umbanda e o candomblé?
Tida como menos sincrética que a umbanda, o candomblé é uma religião “orgulhosamente brasileira”, diz Márcio de Jagum, advogado, escritor babalorixá e professor de cultura iorubá na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
“Lá no continente africano, nós temos várias matrizes, vários nascedouros de tradições, de grupos étnicos diferentes, que no contexto brasileiro, na nossa ‘salada’, nas várias formas de resistência […] produziram o que seria mais correto chamar de candomblés, assim como umbandas.”
Ele afirma que “denominar no singular o candomblé seria pouco para dimensionar a quantidade de matrizes, de fontes que vieram trazidas para cá e se constituíram aqui”.
Segundo Jagum, dentre essas influências que constituíram os candomblés e as umbandas brasileiras, muitas vezes é apontada a mistura que ocorreu com ritos católicos e indígenas.
Porém, aponta o babalorixá, “o período de escravização humana no Brasil foi muito longo, cerca de 400 anos”, e dentro desses séculos, quatro ciclos de ocorreram.
“Nos dois primeiros vieram, em maior quantidade, pessoas escravizadas das etnias bantos. No terceiro, no quarto, e no chamado ciclo da ilegalidade, vieram mais aqueles de origem étnica nagô e iuroubá, de etnia fom, como nós costumamos chamar os fom de jeje”, explica.
De acordo com Jagum, havia muçulmanos entre todos esses grupos que foram trazidos para o Brasil.
“Então, a presença do islã, seja no contexto das religiões africanas produzidas no Brasil, assim como no período anterior, que a gente chama de pré-diaspórico, é muito intensa”, acrescenta.
Marcio Jagum sublinha que muito se discute o sincretismo afro-católico como se esse “fosse o único nível, o único nicho de interseção entre essas matrizes religiosas, culturais e filosóficas”.
“Mas a relação do sincretismo afro-islâmico, afro-indígena, intra-africano, podem ter certeza, é uma relação muito mais intensa”, afirma o babalorixá.
Rafael Maron, graduado em história e mestre em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), aponta que no livro Rebelião Escrava no Brasil, do professor João José Reis, há o detalhamento de um caso de uma guerra no antigo principado de Oió, no sudoeste da África, na qual os muçulmanos foram derrotados e vendidos como escravos para trabalharem no Brasil.
O sincretismo religioso brasileiro está intrinsecamente relacionado com o colonialismo e a imposição do catolicismo por parte dos portugueses à população escravizada e aos povos originários. Isso resultou em práticas e formas de culto que incorporaram elementos de diferentes tradições, transformando essas misturas numas das mais ricas culturas religiosas do mundo.