Em sua última sexta-feira como procurador-geral da República, Rodrigo Janot recebeu um presente inusitado. A procuradora Livia Tinoco, de Sergipe, entregou a ele um arco-e-flecha produzido por indígenas do Estado.
O instrumento se tornou símbolo do trabalho de Janot no comando do Ministério Público desde que, em julho, durante uma entrevista em um congresso para jornalistas, ele definiu estoicamente seu ofício. “Enquanto tiver bambu, lá vai flecha”, disse, em referência às denúncias contra políticos no âmbito da Lava-Jato.
O flecheiro Janot calibrou a artilharia especialmente no fim da gestão. Levantamento da BBC Brasil mostra que o procurador-geral se dedicou a limpar a gaveta nos últimos 30 dias: foram sete denúncias da Lava Jato no período, contra apenas quatro no resto do ano de 2017.
Desde que a investigação chegou ao STF, Janot apresentou 35 denúncias contra políticos, incluindo duas que tiveram como alvo o presidente da República, Michel Temer (PMDB). O levantamento considera apenas as denúncias relacionadas à Operação Lava Jato.
“Até 17 de setembro, a caneta está na minha mão. No dia 18 não está mais. Ainda bem. Vou continuar neste ritmo que estou”, disse Janot em julho, poucos dias depois de Temer escolher a procuradora Raquel Dodge para sucedê-lo no posto. Dodge foi a segunda colocada da lista de três nomes eleita pelos integrantes do MPF, em uma consulta da Associação Nacional dos Procuradores da república (ANPR).
A decisão de Temer quebrou uma tradição estabelecida no primeiro governo Lula e mantida desde então: tanto o petista quanto sua sucessora indicaram ao cargo o preferido entre os pares. Ao optar por Dodge, o governo gerou especulações de que ela pudesse, de alguma maneira, aliviar em relação aos políticos. A procuradora, que pertence a um grupo distinto ao do antecessor no MPF, nega que tomará qualquer medida nesse sentido.
Ela tomará posse no comando do Ministério Público nesta segunda-feira (18). Se Dodge mantiver o ritmo imposto pelo antecessor, o ano de 2017 será o mais produtivo da Lava Jato no órgão desde o início das investigações. Já são 11 denúncias este ano, contra 12 ao longo de 2016 e oito, em 2015. O levantamento da BBC considera as datas de 31 das 35 denúncias, já que algumas delas permanecem sob sigilo.