Cansaço, tristeza, dores e choro fácil são apenas alguns dos sintomas da depressão que podem ser causados por momentos de mudança brusca na vida de uma pessoa, seja um trauma ou uma grande perda, por exemplo. Mas dois pesquisadores de Mato Grosso do Sul descobriram relação entre um mal que não se vê e a doença: o uso de agrotóxicos e as tentativas de suicídio nas regiões de pequenas lavouras temporárias no Estado.
“Diversas pesquisas nacionais e internacionais mostram a ligação do uso de organofosforados com a depressão e tentativas de suicídio. Como no Estado temos diversas lavouras, passamos a realizar um trabalho de campo que durou cerca de três anos, conversando com agentes comunitários de saúde e pessoas afetadas, coletando sangue e analisando”, explica o doutor em Ciência da Saúde e professor do Instituto de Química da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Dario Xavier Pires.
Imperceptível, a depressão causada pelos agrotóxicos gerou uma série de casos de suicídio que, ao ver dos familiares, começou com uma tristeza e isolamento inexplicáveis dos seus parentes que trabalham na lavoura.
Os pesquisadores descobriram que a produção de algodão consumiu 78% de todo o inseticida comercializado na primeira década de 2000. E apesar das regiões do Alto Taquari, Dourados e Iguatemi representarem, juntas, 72,8% da produção de lavouras temporárias no Estado, as regiões de Cassilândia e a macrorregião de Dourados (onde se encontra Fátima do Sul e outros 14 municípios) são as maiores produtoras de algodão.
Neste recorte, Fátima do Sul teve uma média de suicídios maior que a estadual no período de 1992 a 2002. O Civitox MS (Centro Integrado de Vigilância Toxicológica) registrou no mesmo período 1.355 notificações de intoxicação provocadas pelo manuseio e pelo uso de agrotóxicos utilizados na agricultura. Deste total, 501 notificações foram provenientes da ingestão voluntária desses produtos (tentativa de suicídio), com 139 óbitos.
Gosto de Veneno
Percebendo que o próprio produto acaba sendo usado para as tentativas, a jornalista Marcelle Souza resolveu contar no seu livro-reportagem ‘Gosto de Veneno’, apresentado no TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), a pesquisa da UFMS e a aflição das famílias que são afetadas pelo problema e não sabem como barrá-lo.
O relato ganhou o 1º Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog. No livro, Marcelle relata o velório de uma das vítimas, que inalou grande quantidade de agrotóxico. Pelo cheiro forte de veneno que os corpos exalam, as famílias evitam estender o tempo antes do sepultamento.
“Pesquisei bastante sobre suicídio indígena em MS durante a graduação. Daí decidi que faria meu TCC sobre suicídio, mesmo sem saber se continuaria ou não tratando do problema entre indígenas. Eu queria falar sobre isso, porque suicídio era sempre visto como tabu, especialmente no jornalismo, mas já naquela época tinha manual da OMS (Organização Mundial de Saúde) falando que o problema não estava em noticiar o assunto (o que até poderia acontecer), mas em como isso era feito”.
Após muitas pesquisas, a jornalista encontrou a pesquisa de Dario Xavier e de Maria Celina Piazza Recena e decidiu focar na questão. “Eu percebi que existiam muitas histórias de suicídio, todo mundo sabia de uma e isso me impressionou. Eram casos mais antigos, em geral da década de 1980, quando o algodão teve seu auge na região”, conta.
Proximidade perigosa
Dados mais recentes do Ministério da Saúde, entre os anos de 2007 e 2013, do Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos 2016 mostram que Mato Grosso do Sul registrou 562 tentativas de suicídio por ingestão do agrotóxico e revelam o perigo da proximidade com o produto.
O Estado ocupou o 2ª lugar da região Centro-Oeste, responsável por 21% de tentativas de suicídio desse tipo na região. Outro dado que mostra o relatório é o perfil de quem tenta suicídio por ingestão de agrotóxicos: mulheres.
Nos anos observados, as mulheres foram responsáveis por 52,2% das tentativas. As donas de casa dessas regiões representaram 21,8% das tentativas, seguidas por estudantes (19,1%) e trabalhadoras agropecuárias (12,4%), mostrando que nem sempre é preciso lidar diretamente com o produto para ser afetado por ele.
Prevenções
Para o pesquisador, é preciso se aprofundar na questão para encontrar maneiras de prevenção da depressão causada pela exposição ao agrotóxico. “Há a necessidade de se iniciar um programa de vigilância epidemiológica na região, até agora inexistente, para melhor avaliar, comparar e quantificar estes eventos”, avalia.
O Ministério da Saúde reconhece as consequências da relação entre o uso de inseticidas e suicídios no Relatório Saúde Brasil 2007, mas não aponta nenhuma política de prevenção. “Alguns estudiosos apontam os agrotóxicos como elementos desencadeadores de quadros depressivos, em função de mecanismos neurológicos e endócrinos. Mas há que se investigar ainda, com mais profundidade, outras hipóteses, como a questão cultural”, mostra o relatório.
*Reportagem de Evelin Cáceres/Jornal Midiamax